Os Cegos e a COVID-19
Falta de acessibilidade deixa a pessoa com deficiência visual mais vulnerável ao Coronavírus
Sou Ari Protázio, um APAIXONADO PELA VIDA! 03/2020
Neste período de quarentena, tenho estudado piano, por mais tempo do que de costume. Tenho lido livros, conversado mais com amigos e familiares pelo telefone e me aprimorado cada dia mais nas atividades domésticas. Até arrumei um tempinho para assistir televisão e me informar de como anda o mundo! Claro, não por muito tempo, pois não quero perder meu entusiasmo pela vida ouvindo só tragédias.
Em meio às minhas conversas telefônicas, vários amigos também cegos, me contaram das suas dificuldades com esta pandemia. A recomendação é para que as pessoas não cheguem perto umas das outras, mas nós cegos precisamos de auxílio para atravessar uma rua, pois aqui em São Paulo, não existem semáforos com sinais sonoros. E neste momento, a maioria das pessoas passaram a não enxergar os cegos! Não as culpo, todos nós temos medo da proximidade.
Ocorre que muitas pessoas com deficiência visual
trabalham em serviços essenciais, e precisam se locomover até o seu local de trabalho. Mas, ficar aguardando auxílio sem saber se alguém vai se aventurar e correr o “risco” de ajudar o deficiente visual que está fazendo o trajeto, é muito angustiante! Tenho um amigo que trabalha na Rua Sete de Abril e até brinca que os orelhões espalhados no meio da rua são vermelhos de tanto que ele bateu a testa por falta de assistência!
Fala-se muito em se proteger do Coronavírus se mantendo em isolamento social. Cuidado redobrado com os idosos, diabéticos, hipertensos, pessoas com problemas respiratórios, pessoas debilitadas e moradores de rua. Porém, infelizmente pouco se fala da pessoa com deficiência e principalmente de nós cegos.
Indesejavelmente, somos um dos mais prejudicados nessa pandemia, por termos o tato como um dos mais importantes pontos de conexão com tudo que nos cerca. Pois, precisamos tocar em corrimões e objetos que pessoas com visão normal talvez não precisassem.
Outro ponto importante
É que quando somos guiados, seguramos no braço da pessoa, mais precisamente no cotovelo, e agora com a determinação de tossir e espirrar no antebraço, tudo se complicou. Então, associações de cegos recomendam para tocarmos no ombro da pessoa que vai nos conduzir.
Para quem tem a oportunidade de ficar em casa, trabalhando por home office, ou dispensado provisoriamente, pode assistir filmes e novelas e participar de cursos online. Porém, como a maioria dos filmes não tem audiodescrição, as opções do cego ficam comprometidas.
Na semana passada, enquanto minha esposa preparava o café da manhã, eu estava assistindo um jornal local que noticiava sobre a baixa dos estoques no banco de sangue, e pediram para pessoas que tivessem o meu tipo sanguíneo doassem. Fiquei sensibilizado e falei para minha esposa que queria doar. Porém, na reportagem dizia para agendar a doação através do telefone que estava na tela, para não haver aglomeração.
Fiquei inconformado! Custava falar o número do telefone? O apresentador talvez não imaginasse que poderiam ter cegos assistindo e muito menos que, apesar da cegueira, somos saudáveis e podemos doar sangue! Quando terminei meu café, fui procurar algum canal de comunicação para falar com a emissora, para pedir que nos incluíssemos como telespectadores. Passei um e-mail e um WhatsApp mostrando minha indignação, por não ter tido acesso ao telefone que estava na tela, mas infelizmente ainda não obtive nenhum retorno. No dia seguinte a campanha de doação continuou da mesma forma e minha esposa anotou o telefone para mim.
Claro que nós, pessoas com deficiência somos minoria, mas não podemos ser ignorados. Somos cidadãos e pagamos nossos impostos como qualquer outro trabalhador, e por vezes até com mais dificuldades.
A solução?
Uma cidade acessível, respeitando as particularidades de cada cidadão. Inclusive idosos, pessoas com mobilidade reduzida e outras deficiências; acessibilidade nos meios de comunicação para um cego não ter mais que ouvir “O TELEFONE ESTÁ NA TELA”; incluir audiodescrição nos filmes, comerciais, novelas e programas de entretenimento; acessibilidade nos meios de transporte; e o mais importante, a acessibilidade atitudinal, pois as pessoas com deficiência devem ser respeitadas e não ignoradas ou subestimadas. A acessibilidade promove a verdadeira inclusão da pessoa com deficiência na sociedade, promovendo autonomia e nos deixando menos vulneráveis.
Acredito que durante este caos que estamos vivendo, ocasionado por um vírus impossível de ser visto a olho nu, mas capaz de mudar o mundo inteiro, seja o momento de revermos velhos conceitos e quebrarmos paradigmas com a prática de novas atitudes. E principalmente, de refletirmos sobre o que é realmente importante para nós.
Este é o momento de resinificar o que realmente tem valor em nossas vidas! Por que corremos tanto? Para que acumular tanta riqueza se o mais importante e ter saúde, cuidar de quem a gente ama, se solidarizar com o próximo e sonhar com coisas simples que muitas vezes não demos o devido valor, como nos reencontrar com a família, amigos queridos e contemplar com a natureza!
E você? Já parou para pensar o que realmente é importante para sua vida?
Acredite, você pode! Que tal ser feliz?
Sobre o autor:
Ari Protázio é um apaixonado pela vida! Nasceu cego, mas sua deficiência nunca foi obstáculo para que ele atingisse seus objetivos. É pianista, cantor, produtor musical, técnico de áudio em seu próprio estúdio de gravação, youtuber, escritor, palestrante e consultor de acessibilidade, desenvolvendo junto com a Razão Humana Consultoria, treinamentos customizados para empresas e equipes.